Já alguma vez visitou Soajo, ou Lindoso no Parque Nacional Peneda Gerês? Ou é residente no norte de Portugal, ou no norte de Espanha? Certamente já se deparou com "pequenas" construções que marcam a paisagem rural, muitas vezes confundidas com pombais ou monumentos funerários. Essas construções são os Espigueiros ou Hórreos (em espanhol), elementos arquitetônicos singulares que representam um legado cultural e agrícola inestimável.
O que são Espigueiros?
Os espigueiros, também chamados de canastros, caniços ou hórreos (Espanha), são construções tradicionais utilizadas para o armazenamento e conservação de cereais. São típicos do noroeste da Península Ibérica, nomeadamente do norte de Portugal e de Espanha. Os Espigueiros servem para armazenar, secar e conservar os cereais, protegendo-os da humidade e de pragas, como roedores e aves. Estas estruturas características estão amplamente presentes na paisagem rural da região, destacando-se tanto pela funcionalidade quanto pela sua estética graciosa, que as transformou em ícones emblemáticos do território.
Para que servem os Espigueiros?
Os espigueiros têm a função de armazenar, conservar e proteger os cereais após a colheita. A sua construção é especialmente pensada para proteger o cereal da humidade, impedir o acesso de pássaros, insetos e roedores, e assegurar a ventilação adequada para prevenir a formação de bolores, garantindo a preservação da qualidade do grão armazenado. Apesar dos espigueiros serem utilizados predominantemente para o armazenamento do milho, também serviam para a conservação de outros produtos agrícolas, como centeio, castanhas, batatas, cebolas, maçãs, queijos, embutidos e presuntos. Em alguns casos, eram até utilizados para a instalação de colmeias, favorecendo a produção de mel. O planeamento do armazenamento de alimentos com vista a garantir o abastecimento em períodos de escassez, é uma prática ancestral que antecede a agricultura. Historicamente, povos do Paleolítico Superior na região do Vézère, na França, já armazenavam carne de caça em silos de terra congelada, prevendo longos períodos de escassez. De maneira semelhante, povos como os Esquimós da Baía de Hudson e de Baffin ainda conservam a gordura de foca em sacos de pele armazenados em poços cavados ao lado das águas. Em diversas culturas, é comum a secagem de peixes pequenos, que, quando em abundância, são preparados para servir como provisões para o inverno.
Qual a origem dos Espigueiros?
A origem deste género de construções enquanto estruturas de conservação de cereais não detêm uma data precisa, no entanto verifica-se o seguinte:
Neolítico: Na Península Ibérica, pequenos celeiros circulares sobre pés, feitos de vergas entretecidas, hoje usados apenas para o milho grosso na Galiza e no Noroeste de Portugal, conhecidos como "cabeceiros" e "canastros", têm raízes que remontam ao período neolítico.
Idade do Ferro: o escritor Varrão, ao descrever celeiros na Hispânia Citerior, menciona estruturas que se aproximam dos atuais hórreos largos asturianos, sugerindo uma origem pré-romana.
Séc. V: Por outro lado, os espigueiros retangulares, usados principalmente para o milho, parecem ter sido difundidos no século V pelos suevos, que se instalaram nessas regiões.
Séc. XIII: As ilustrações do manuscrito das Cantigas de Santa Maria (1280) comprovam a existência dessas construções antes da chegada do milho.
Séc. XVII: O milho, outrora designado como “trigo índio”, tem sua origem atribuída ao México (El Maiz), e foi trazido para a Europa nas expedições de Cristóvão Colombo. Inicia-se desde aí a revolução do milho com uma forte exploração dos espigueiros como hoje os conhecemos.
A data mais antiga registada em um espigueiro da região do Soajo é 1762, em uma construção coberta por lajes de pedra. Outras datas incluem 1776, em Parada de Lindoso, e exemplares do final do século XVIII. A maior parte dos espigueiros remonta aos meados do século XIX.
Como eram construídos os Espigueiros?
Os espigueiros portugueses, assim como os galegos, apresentam uma ampla variedade de formas e características, agrupadas em duas categorias principais, conforme a estrutura, forma e técnica de construção: "Canastros de Varas" e "Espigueiros" propriamente ditos.
É importante dar nota, que a construção e características destas estruturas tinha por principal objetivo, o armazenamento, secagem e proteção dos cereais neles armazenados.
Localização:
Os espigueiros eram posicionados estrategicamente em zonas soalheiras, para aproveitar ao máximo a exposição ao sol, e em terrenos elevados, permitindo maior circulação de vento. Estas condições garantiam uma secagem eficiente do milho e evitavam a humidade. Frequentemente, os espigueiros estavam localizados próximos às eiras, espaços planos e lajeados utilizados para debulhar o grão e realizar outras atividades agrícolas. Além disso, mantinham-se isolados ou afastados das habitações para minimizar os riscos de perda da colheita em caso de incêndio.
Construção:
Embora sejam estruturas singulares, os espigueiros compartilham algumas semelhanças com as construções habitacionais, pois possuem telhado, portas e paredes. A matéria prima utilizada em sua construção variava conforme os recursos abundantes em cada região, como pedra, madeira ou uma combinação de ambos os materiais. Os espigueiros podiam ter formas retangulares, quadrangulares ou redondas. Na fase inicial, eram bastante rudimentares, feitos de varas entretecidas, similares à técnica de cestaria, com cobertura de colmo. Essas varas eram fixadas diretamente no solo ou sobre uma base de traves ou pedras.
Principais características:
Elevação do solo: Normalmente erguidos sobre colunas ou pilares, os espigueiros eram elevados para melhorar a ventilação, evitar o acúmulo de humidade e impedir o acesso de animais, como pássaros, roedores e insetos.
Ventilação: As paredes eram construídas com frestas que permitiam a circulação de ar, evitando a formação de bolores e garantindo a qualidade do milho armazenado.
Proteção contra animais: Para impedir o acesso de formigas, muitas vezes havia pequenos saliências com água em torno das sapatas dos pilares. Já os "torna-ratos" ou mós impediam a subida roedores.
Ornamentação:
Os espigueiros também se destacam por seus elementos decorativos, que refletem a criatividade do construtor, as crenças e os recursos do proprietário. Entre os adornos mais comuns estão, a cruz, símbolo de bênção e proteção para o milho armazenado, relógios de sol, pináculos, medalhões, símbolos religiosos, motivos geométricos, datas e inscrições esculpidas. Além de sua utilidade prática, os espigueiros são verdadeiros marcos arquitetônicos, integrando-se ao cenário rural e representando um testemunho vivo das tradições agrícolas e da engenhosidade das comunidades que os construíram.
Onde se podem encontrar Espigueiros?
Em Portugal, encontram se principalmente na Região do Norte, em particular no Minho, Beira Litoral, Beira Interior e oeste de Trás-os-Montes. Em Espanha, existes estruturas idênticas em Navarra, Astúrias, Cantábria, na província de León e, especialmente, na Galiza, onde recebem o nome de "hórreos".
Curiosidades
Qual é o maior espigueiro de Portugal?
O maior espigueiro português encontra-se em Carrazedo, freguesia de Bucos, Município de Cabeceiras de Basto. Tem cerca de 30 metros de comprimento, dividido em 11 quarteirões irregulares, com capacidade para cerca de 30 carros de milho
Qual é a aldeia com a maior concentração de espigueiros em Portugal?
A maior concentração de espigueiros existente encontra-se em Lindoso, Municipio de Ponte da Barca com mais de 60 espigueiros.
Só existem espigueiros em Portugal?
Também existem construções muito semelhantes na Noruega, onde são chamados stabbur, e na Suécia chamados härbre. Por muitas zonas da Europa existem ou existiram celeiros elevados sobre colunas parecidos ou quase idênticos aos existentes na Península Ibérica. No resto do mundo também existem exemplares de celeiros ou depósitos elevados, pertencentes às mais diversas culturas, mais ou menos similares aos hórreos. Até os dias atuais, na Escandinávia (Noruega, Suécia) também podem ser encontrados, assim como na Inglaterra, Suíça, Romênia e norte da Itália, entre outros.
Por que os espigueiros possuem cruzes e outros símbolos?
Mais do que simples celeiros destinados ao armazenamento das espigas que serão transformadas no pão, símbolo do sustento diário, os espigueiros representam verdadeiras obras de arte popular, impregnadas de uma profunda carga simbólica. Estes pequenos "sacrários" guardam o alimento que garante a subsistência ao longo do ano, sendo frequentemente adornados com uma cruz. Este símbolo não apenas os protege, mas também os resguarda contra maldições, refletindo a fé e as tradições do povo. A cruz, elemento mais comum no topo dos espigueiros, tem o propósito de abençoar o milho, numa alusão ao ato do padeiro que, antes de levar o pão ao forno, realiza um gesto de fé e acompanha o momento com uma oração. Tal ritual enfatiza a conexão entre o alimento e a espiritualidade, destacando o papel do espigueiro como guardião do sustento e da tradição.
Legenda
A imagem acima apresenta a descrição mais global aplicada na região norte de Portugal. No entanto, as designações aplicadas a cada elemento podem variar conforme a região.